Da Diferença Entre Loteamento E Condomínio E Suas Consequências Na Esfera Jurídica

Da Diferença Entre Loteamento E Condomínio E Suas Consequências Na Esfera Jurídica

Artigo por: Gabriel Lucas Souto Costa

Cada vez mais percebemos o interesse da população brasileira em migrar sua moradia para o interior dos chamados “Condomínios Fechados”, seja pela sensação de maior segurança passada pelos necessários controles de acesso de pessoas, seja pela atrativa opção de lazer oferecida por estes autointitulados condomínios.

Todavia, o que poucas pessoas sabem é que ao adquirirem seu imóvel nestes “Condomínios” (em muitos casos por valores incondizentes com o imóvel adquirido), nem sempre a terminologia empregada condiz com a natureza do empreendimento, que na maioria dos casos se trata de um verdadeiro “Loteamento”, que possui natureza jurídica distinta de um Condomínio regularmente constituído.

Partindo desta premissa, passaremos a diferenciar os institutos “Condomínio” e “Loteamento”, os quais possuem requisitos de constituição e obrigações legais completamente distintas, o que pode confundir o consumidor, causando uma falsa sensação de segurança e gerando deveres não previstos no projeto inicial do empreendimento.

Conforme preceitua o artigo 2º, §1º, da Lei 6.766/70, “Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.”

Já os condomínios, regidos pela Lei 4.591/64, correspondem a edificações ou conjunto de edificações com um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, para fins residenciais ou não, sendo que as vias são de propriedade e acesso privados.

 

Saliente-se que em 2017 foi incluído no Código Civil o artigo 1.358-A, através da promulgação da Lei 13.465/2017, cirando o chamado “Condomínio de Lotes”, assim prevendo: “pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

Pois bem, já nesta primeira conceituação dos institutos se percebe uma imensa diferença entre um e outro, na medida em que, enquanto em um “condomínio” todas as áreas adquiridas no conjunto (lote, construção, ruas, área de lazer, etc) são de propriedade inteiramente privadas, pertencendo aos seus condôminos, em um “loteamento” somente o lote é considerado propriedade privada, sendo as demais áreas de utilidade pública, sujeitas ao controle da Municipalidade.

Neste sentido, elucidativos são os ensinamentos do ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves[1], in verbis:

cada condômino é titular, com exclusividade, da unidade autônoma (apartamento, escritório, sala, loja, sobreloja, garagem) e titular das partes ideais das áreas comuns (terreno, estrutura do prédio, telhado, rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, calefação e refrigeração centrais, corredores de acesso às unidades autônomas e ao logradouro público etc.) (CC, art. 1.331).”

Outra diferença importante entre os institutos é a forma de registro de cada um, na medida em que, para registro e constituição de um condomínio, é necessário observar os seguintes procedimentos, a depender da localidade de sua instalação:

  1. a incorporação imobiliária (se houver) e a instituição do condomínio deverão ser registradas junto à matrícula da gleba;
  2. a conclusão das obras de infraestrutura deverá ser averbada também junto à matrícula da gleba;
  3. a convenção de condomínio deverá ser registrada em livro próprio e, ato contínuo, averbada na matrícula;
  4. deverão ser abertas matrículas para as unidades autônomas – lotes – para nela serem lançadas as transferências dominiais, as constituições de ônus, as edificações, a referência ao registro da convenção de condomínio e todos os demais atos de registro relativos a cada unidade.

Ato contínuo, na constituição de um loteamento as áreas comuns do empreendimento, ao reverso de como funciona nos condomínios, não pertencem ao adquirente do imóvel, já que, com apresentação do projeto ao município, todas as partes comuns do empreendimento devem ser doadas pelo empreendedor à municipalidade, passando este a se responsabilizar pelas obras de infraestrutura do loteamento, como pavimentação das vias, instalação da rede de saneamento e energia elétrica, sinalização das vias e etc., não pertencendo as áreas comuns aos adquirentes dos lotes comercializados.

Em suma, o que se mostra bastante usual nos empreendimentos denominados “Condomínios Fechados” é uma verdadeira simulação jurídica, tendo em vista que, em verdade, os empreendedores, buscando transferir ao Estado a responsabilidade pelos custos de implementação das obras de infraestrutura, criam loteamentos e, após a conclusão das obras (muito menos dispendiosas), passam a comercializar o empreendimento como “condomínio”, fechando as vias públicas e criando controles de acesso ao empreendimento, passando a efetuar cobrança de “taxas condominiais” de forma completamente irregular, já que, em verdade, a natureza jurídica destes empreendimentos (loteamentos) é de associação de moradores, e não de condomínio.

Ao assim agir, o empreendedor falha com o dever de informação com os adquirentes, já que, nos termos do artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal, “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.

Desta forma, quando um loteamento é criado e passa e ser comercializado como se um condomínio fosse, na verdade o empreendedor transfere ao adquirente, consumidor, um risco imprevisível de dissolução deste “condomínio”, seja em razão de sua criação irregular, seja em razão do risco de outros adquirentes deixarem de contribuir com a cobrança da indevida taxa condominial (deveria ser taxa associativa), dando fim à associação de moradores, equivocadamente denominada de “condomínio”.

Por fim, cumpre salientar que, a fim de dirimir as confusões geradas pelos empreendedores com relação às diferenciações entre condomínio e loteamento, a Lei 14.382, de 2022 incluiu o no artigo 1.358-A do Código Civil, o parágrafo segundo que assim prescreve:

Art. 1.358-A. Pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.

[…]

  • 2º Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes:

I – o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação urbanística

Ao assim agir, nota-se que o legislador buscou de uma vez por todas sanar as divergentes interpretações acerca da natureza jurídica de cada instituto (condomínio x loteamento), positivando a conceituação do condomínio de lotes.

Vale esclarecer que o presente estudo aborda de forma bastante superficial o tema, no intuito único de orientar pessoas mais desinformadas e que ainda possuem dúvidas sobre a legalidade dos empreendimentos condominiais, ou loteamentos, que se multiplicam exponencialmente pelo país.

[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. “Direito Civil Brasileiro, volume V: direito das coisas, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 370